Hoje morri,confesso.
Morto na concepção sutil da palavra.
Morto na materialidade simplista.
Morto no cotidiano banal,
morto.
Morro como quem morre sozinho, num enterro chuvoso, frio...
de guarda-chuvas pretos que não se abriram
de flores que nunca secaram,
de pedras que ninguém botou num túmulo israelita.
De mim, não resta nada,
nem sonho, nem dor, nem choro, nem vela.
não há coração que bata
não há coração que apanhe.
Não há nada.
Gostaria de dizer que do riso fez-se o pranto,
mas não seria o primeiro, nem o último, então digo
do riso fez-se nada...palavra que repito.
Nada.
Se fosse pedra, árvore ou nuvem,
talvez vida restasse,
talvez isso, ou aquilo outro, talvez...
Mas não resta, não resta, o que repito.
Nada.
Apenas me abraço com a dialética e seu materialismo voraz,
com a sonoridade de palavras desconexas,
com versos rápidos e inseguros.
Ainda existo, sou coisa, largada no canto, mas coisa.
Se talvez atrapalhasse, se talvez me colocasse no meio do caminho como as pedras de Drummond.
Se talvez berrasse, ou camuflasse, ou fingisse que amasse,
talvez me notassem,
talvez isso, ou aquilo outro, talvez...
talvez, nada.
Ou restasse, quem sabe, a condescendência dos homens,
os olhos vazios da tolerância idiota,
o respeito à insignificância alheia.
A calma do medo, a ignorância...
Mas não resta, só resta o que repito,
Nada.
Assim estou, não sou, como se diferença fizesse,
ser assim pobre, sem valor.
Res nullius da qual ninguém se apodera.
Olhos abertos que vêem, mas não enxergam.
Se enxergassem talvez nem ligassem.
Se ligassem talvez não entendessem.
Se entendessem talvez não gostassem,
e que diferença faria enxergar?
Ouvidos estáticos que não vibram, nem com música nem com estouro.
Se vibrassem, as pernas talvez não pulassem nem dançassem.
Se dançassem ou pulassem seria como se não gostassem,
e que diferença faria vibrar?
Confesso que morri,
Até encolhi como os mortos costumam fazer.
Estático, estático, res.
Hoje morro, confesso,
morro sem poesia de vida minha, ou nenhuma outra.
Morro, sem reclamar, sozinho,
sem capa de jornal, sem notícia no horário nobre,
sem ardil estardalhaço de coisa nenhuma.
Morro na quietude moribunda de quem hoje, morre...
com a certeza absoluta, de quem amanhã...
Mata!