domingo, 24 de junho de 2007

Res Nullius.

Hoje morri,confesso.

Morto na concepção sutil da palavra.

Morto na materialidade simplista.

Morto no cotidiano banal,

morto.


Morro como quem morre sozinho, num enterro chuvoso, frio...

de guarda-chuvas pretos que não se abriram

de flores que nunca secaram,

de pedras que ninguém botou num túmulo israelita.


De mim, não resta nada,

nem sonho, nem dor, nem choro, nem vela.

não há coração que bata

não há coração que apanhe.

Não há nada.


Gostaria de dizer que do riso fez-se o pranto,

mas não seria o primeiro, nem o último, então digo

do riso fez-se nada...palavra que repito.

Nada.


Se fosse pedra, árvore ou nuvem,

talvez vida restasse,

talvez isso, ou aquilo outro, talvez...

Mas não resta, não resta, o que repito.

Nada.


Apenas me abraço com a dialética e seu materialismo voraz,

com a sonoridade de palavras desconexas,

com versos rápidos e inseguros.


Ainda existo, sou coisa, largada no canto, mas coisa.

Se talvez atrapalhasse, se talvez me colocasse no meio do caminho como as pedras de Drummond.

Se talvez berrasse, ou camuflasse, ou fingisse que amasse,

talvez me notassem,

talvez isso, ou aquilo outro, talvez...

talvez, nada.


Ou restasse, quem sabe, a condescendência dos homens,

os olhos vazios da tolerância idiota,

o respeito à insignificância alheia.

A calma do medo, a ignorância...

Mas não resta, só resta o que repito,

Nada.


Assim estou, não sou, como se diferença fizesse,

ser assim pobre, sem valor.

Res nullius da qual ninguém se apodera.


Olhos abertos que vêem, mas não enxergam.

Se enxergassem talvez nem ligassem.

Se ligassem talvez não entendessem.

Se entendessem talvez não gostassem,

e que diferença faria enxergar?


Ouvidos estáticos que não vibram, nem com música nem com estouro.

Se vibrassem, as pernas talvez não pulassem nem dançassem.

Se dançassem ou pulassem seria como se não gostassem,

e que diferença faria vibrar?


Confesso que morri,

Até encolhi como os mortos costumam fazer.

Estático, estático, res.


Hoje morro, confesso,

morro sem poesia de vida minha, ou nenhuma outra.

Morro, sem reclamar, sozinho,

sem capa de jornal, sem notícia no horário nobre,

sem ardil estardalhaço de coisa nenhuma.


Morro na quietude moribunda de quem hoje, morre...

com a certeza absoluta, de quem amanhã...

Mata!

segunda-feira, 18 de junho de 2007

S e C.

Célia não via luz no fim do túnel, para ela, as coisas estavam, assim por dizer, insustentáveis. O suicídio sempre pareceu a saída mais simples, e o seu pensamento se ocupava demais com esse assunto.

O que é a Internet e o seu maravilhoso mundo de possibilidades? Em um canto escuro da world wide, Célia encontrou um site sobre métodos indolores para morrer, estado do corpo após a atividade suicida e coisas do tipo, indo até os cuidados pós-morten, ensinando dicas de como não dar trabalho para os familiares e amigos, debatendo se existe ou não a necessidade da despedida .

Domingo fez sol, e Célia resolveu passear no parque perto de sua casa. Lá conheceu Sérgio.

Sérgio não via luz no fim do túnel, para ele as coisas estavam, assim por dizer, insustentáveis. Ir embora do país sempre pareceu a saída mais simples. Em um canto escuro da world wide encontrou um site completo com todas as dicas sobre variados países, vantagens e desvantagens de viver no exterior e bibibi, bem como dicas para a parte legal, e para parte do não tão legal.

Domingo fez sol, e Sérgio resolveu passear no parque perto de sua casa. Lá conheceu Célia.

Sérgio e Célia se encontraram por acaso, não teria sido possível se não fosse o tumulto provocado um passarinho com a asa quebrada caído ao chão. Várias pessoas que no parque estavam por causa do sol, se aglomeraram em torno do animal, debatendo sobre o que fazer com o bicho.

Célia e Sérgio pararam uma o lado do outro, conversaram sobre o pássaro; o papo engrenou, podia não ser assim, mas foi. Aos poucos se afastaram da multidão, caminhando e sorrindo com chame de canto de olho. Falavam sobre a vida, literatura portuguesa, o último festival de cinema que sacudiu a cidade, bem como de todos os assuntos que figuravam na coluna cultural do jornal da cidade naquele dia.

O pássaro ficou bem, depois de meia hora falando as mesmas coisas, as pessoas aglomeradas resolveram cuidar de suas próprias vidas, e uma boa alma idosa levou o bicho para cuidados.

Sérgio e Célia namoraram, se apaixonaram profundamente, e, durante anos, acreditaram na eternidade do amor, na caretice dos pequenos burgueses, chegaram até mesmo a juntar as escovas de dente, compraram uma samambaia e um pingüim de geladeira com cachecol e gorro vermelho; dividiam livros e LP´s...

Um dia, se separaram, acharam que o relacionamento estava sufocante, que os caminhos tinham se separado, e que faltava tempo para os amigos. - Faltar tempo para os amigos é realmente o fim da relação, no começo, os amigos que se fodam. Depois falta tempo para eles? Confessa, Célia, você está dando pra outro!

De qualquer maneira, o tempo passou, a primavera acabou, e com ela veio o verão e o seu céu estrelado, outras pessoas surgiram, e, enfim, Sérgio não foi embora (totalmente esvaziado de conteúdo semântico) do país, e Célia está bem viva (totalmente cheia de conteúdo semântico).

O que teria sido do pássaro se não fosse o sol do domingo?

domingo, 17 de junho de 2007

Stella.

Stella tem olhos vivos, destes que vêem o mundo, os meus são apenas orelhas, que escutam Stella.

Os dedos delgados por hora gesticulam, como se as dez pontas prolongadas do corpo contassem a mesma história, e contam. Neles ainda se percebe o brilho de gordura deixada na ponta pelo frango-a-passarinho, e dos alhos torrados catados com real destreza pelas unhas coloridas, enquanto que na boca, Marx escreve o capital.

A boca colorida e brilhosa se abre e fecha, tem um ritmo conexo, musical, que lembra o carnaval, o pecado, a maçã,e por fim a serpente, voltando ao pecado, e assim vai....

Enquanto o chope esquenta, aprecio o concerto da boca de Stella, o balé de seus dedos, e , claro, Marx no meio de tudo isso.

Stella fuma. Stella faz Marx parecer tão simples!

It's All Over Now Baby Blue.

Ontem eu te vi por aí, sabia?

Você estava tão diferente daquela menina que eu conheci, virou mulher agora!

È sério!

Uma mulher bacana, linda, interessante, de beleza exótica dessas que todos querem experimentar. Provar sua alma, beijar sua boca, acariciar seus cabelos e coisas do tipo...

Por que não está bom assim?

Essa necessidade de ser feliz 24 horas por dia é seu problema. Ninguém é feliz 24 horas por dia, sabia?

É verdade, as pessoas choram muito pra conseguir rir, passam horas de tédio pra sentir a felicidade de se ter o que fazer, passam o inverno esperando o verão e todas as coisas que ele traz.

HAHA, eu também nunca gostei do verão, mas esse não é o ponto. O ponto é a dicotomia, a antagonia necessária.

Óbvio que não, menina, as coisas são aquilo que são, e nós colocamos nomes nas coisas porque elas existem, princípio fundamental do conhecimento. Tomar a existência de algo é perceber sua existência, o que só é possível mediante a falta, necessária se faz a ausência para que o ser seja de fato.

Profundo? HAHAHAHA. A bela filosofia de boteco, isso sim. Mas onde estamos?

Adoro esse boteco.

Pois então, não dá pra pular a tristeza, nada fará isso.

Eu sei, tem todas essas coisas, e o budismo também, temos de ser felizes na solidão!

Por isso te digo que a alegria ininterrupta é inexistente, é falsa, é pior que a tristeza, que o tédio e a falta, pior que todos esses juntos.

(...)

Não sabia que você tinha medo, até hoje.

“Todos temos.”

Vêm cá, me dê um abraço, durma em meus braços um pouco, você não está sozinha, mesmo!

“Estamos todos sozinhos!”

Por que gosto de você?

Tem que ter um porquê?

(silêncio)

 
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